Não é o tempo todo que você ama quem você ama. Há intervalos, pausas, preguiças. Às vezes você passa um tempo sem amar quem você ama. Mas basta um perigo, uma doença, um assédio para você despertar para o seu amor, como de uma cochilada.
Nada a ver com desinteresse. Às vezes quem você ama faz alguma coisa que não é legal, que mexe com você, como uma palavra num tom errado, mas é coisa pequena, não vale a pena cobrar. Fica aquela preguiça, corpo mole. Beija mas não è aquele beijo.
Outras vezes você acha que seu amor falhou com você. Ou porque se esqueceu do seu aniversário, ou porque não ligou o dia inteiro, ou porque ligou o dia inteiro, ou porque passa tempo de mais na internet, ou com fones nos ouvidos, desligado de você. Então você se permite um tempo para descansar do seu amor. Acha que está dando mais do que recebendo, e com isto tem deixado de fazer coisas, suas coisas. Aproveita o tempo para responder a e-mail acumulados, enviar fotos que ficou devendo, lavar o carro, copiar a chave perdida, levar o cão para um banho e tosa, pagar uma visita, levar aquele sapato para o conserto, talvez pedalar no parque. É gostoso esse tempo em que você não ama quem você ama, é quase um final de semana prolongado sem viajar.
Tem horas que você não lembra de que está amando quem você ama, com tanta coisa para fazer disputando espaço na sua cabeça: trabalho, vestibular, currículo, entrevista, negócio, mãe, prestação vencida, filho, escola, compromissos, trânsito, e se distrai.Nessas horas você não está amando quem você ama. Não são falhas, são intervalos.
Chega um dia que você precisa receber mais atenção de quem você ama, está carente, hipersensível, e não recebe. Em resposta você dá uma recuada. Ou tem um dia muito a fim e não coincide, e aí você recolhe a mão curiosa. Ou quer carinho e a mão não chega. Você vai para dentro de sua concha e deixa de amar quem você ama por um tempo variável de minutos a dias.
Pode acontecer uma vacilada.Não é que você não esteja mais amando quem você ama, é só um vacilo. Por exemplo encontra casualmente uma paquera do tempo de faculdade, ou uma paixão do colégio, aquela coisa que não chegou a ser, e alonga a conversa, fica testando se a outra parte desencanou total como você ou se guardou alguma coisa. È mais vaidade do que curiosidade, você fica tentando captar algum sinal, nem sabe se teria coragem , e nada acontece, e se despedem, e você passa uns dias com aquela imagem voltando... E nos momentos dessa inquietação nostálgica você não está se lembrando de que ama mesmo é quem você ama.
Chuva quando se está só, também deixa a gente precisando. Em caso de viagem, chega doer, e você percebe que é saudade de abraço, da coisa física que é o abraço. Nesse momento animal você nem está amando quem você ama, aquela coisa é só você, solidão.
È exaustivo manter a corda do amor esticada o tempo todo, e você descansa o braço para relaxar. Não é desamor, é uma pausa para beber água. –Mas já pensou se aquela bandida ou aquele bandido passa numa hora frágil dessas? São coisas que acontecem ao longo de um amor, e o momento passa sem bandidos, que apenas riscam a paisagem e somem como pássaros.
Quando você dorme, você não ama. È o melhor descanso. E quando sonha então? Pode até permitir carícias de fantasmas, mas não é você que está ali, é tudo uma fantasia da qual quem ama retorna sem culpa.
Não é sempre que você ama quem você ama, mas, quando se conta, já passou uma vida inteira amando quem você ama.
Ivan Ângelo, Revista Veja São Paulo, 10/ 06/2009